Contributos para o estabelecimento de uma definição de treino funcional

Contributos para o estabelecimento de uma definição de treino funcional

Atualmente, os ginásios e health clubs oferecem aos seus clientes uma variada gama de serviços e modalidades de treino. Recentemente caracterizados, podemos encontrar máquinas de musculação (82%), equipamento cardiovascular (89%), aulas de grupo (90%) e treino funcional (92%). Este último tem vindo a ganhar posição em todas a tipologias de clube: ginásios e health clubs (93%), estúdios de treino (86%), boxes/crossfit (89%), ginásios femininos (94%) e boutiques de fitness (86%) (Pedragosa & Cardadeiro, 2020). O conceito e modalidade de treino funcional, conquistou ao longo dos anos a sua relevância e é aplicado no contexto de treino desportivo como no exercício para a saúde. É considerado uma das 20 principais tendências mundiais do fitness em 2022 (Thompson, 2022), no entanto, têm sido apresentadas diferentes definições para o conceito sem que subsista uma globalmente aceite, quanto à sua natureza e finalidade. Esta incoerência tem gerado divergências entre cientistas e profissionais de exercício para a saúde.

O termo treino funcional teve origem na medicina do desporto, mais especialmente nas clínicas de reabilitação. As primeiras definições salientavam a reabilitação na melhoria e desenvolvimento das habilidades relacionadas com as atividades de vida diárias. Este tipo de treino era mais utilizado com pessoas de idade mais avançada (Leslie, 2018).

Existe uma conceção do treino funcional que pressupõe atividades que desafiem o controlo, equilíbrio e a coordenação corporal em vários planos (Roy, 2014). Outros advogam que o exercício funcional requer vários materiais, como bolas medicinais, rolos de espuma e plataformas de equilíbrio, projetados para criar um ambiente em que os músculos estabilizadores sejam de maior solicitação (Staley, 2005). No entanto, há quem sustente a ideia que a instabilidade é uma potencial agressão e não o fundamental impulsionador, ou seja, materiais instáveis e treino funcional não são sinónimos (Boyle, 2016). Há quem defenda também, que o treino funcional utiliza as mais variadas técnicas, para melhorar a função (desportiva ou quotidiana) para o qual é destinado, tendo este treino um propósito específico (Boyle, 2010). Este tipo de treino visa maior feedback propriocetivo, portanto, maior taxa de informação sensorial do que o treino de musculação (Santana, 2015). Mesmo assim, recentemente, é colocada a hipótese de as máquinas guiadas serem sempre consideradas no âmbito dos exercícios funcionais, dado que podem ser utilizadas diferentes ferramentas e técnicas para o mesmo objetivo e/ou tarefa, dependendo das especificidades individuais que queremos desenvolver.

Neste sentido, uma revisão conceptual com o objetivo de analisar se treino funcional é diferente dos programas do treino “tradicional”, concluíram que o treino funcional induz as mesmas adaptações neuromusculares que o treino de força, potência e resistência aeróbia, visto que as adaptações ao exercício são elevadamente dependentes do estímulo do treino, e que os exercícios utilizados são essencialmente os mesmos. Sendo assim, não encontram justificação para classificar programas de treino como “treino funcional” e “treino tradicional” (Ide et al., 2022).

A questão que se aborda é se faz sentido referir que alguns treinos não são funcionais. Se o profissional da área do exercício prescrever um programa de treino que não vá de encontro à funcionalidade do indivíduo, não será ético, pois todos os treinos devem respeitar a variável funcionalidade para ser considerado treino para a saúde (Heredia et al., 2014). Adicionalmente, as características morfológicas e fisiológicas de cada indivíduo condicionam a adaptação, podendo o exercício ou técnica que funciona para um, não funcionar para outro. Todos os programas de treino devem ser bem estruturados, considerando a componente funcionalidade, antes de qualquer prescrição de exercício (Da Silva-Grigoletto et al., 2014).

Estas divergências suportam a necessidade de uma maior discussão e reflexão académica e profissional acerca da definição de treino funcional. Nesse âmbito, e com a finalidade de contribuir para uma maior clarificação da definição, está a decorrer o projeto de investigação “The FConcept” no Centro de Investigação em Desporto, Educação Física, Exercício e Saúde, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, nomeadamente I) uma scoping review com o objetivo de explorar e categorizar o estado da literatura existente para o conceito de treino funcional, II) um estudo transversal com a finalidade de associar três diferentes modalidades à funcionalidade dos seus praticantes, e III) um consenso internacional para a definição singular de treino funcional abrangendo vários especialistas.

AUTORES:
Sílvia M. Mota, Diogo S. Teixeira e Hugo V. Pereira
CIDEFES – Centro de Investigação em Desporto, Educação Física, Exercício e Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Boyle, M. (2010). “Advanced in Functional Training Training Techniques for Coaches, Personal Trainers and Athletes.” On Target Publications.
Boyle, M. (2016). New Functional Training For Sports (Second Edi, Vol. 4, Issue 1). Human Kinetics.
Da Silva-Grigoletto, M. E., Brito, C. J., & Heredia, J. R. (2014). Treinamento funcional: Funcional para que e para quem? Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, 16(6), 714–719. https://doi.org/10.5007/1980-0037.2014v16n6p714
Heredia, J., Peña, G., Mata, F., Isidro, F., Martín, F., Sagarra, V., Martin, M., & Grigoletto, M. (2014). Entrenamiento funcional y core: revisión de tópicos, mitos, evidencias y nuevas propuestas. Revista Digital, 19(194). https://efdeportes.com/efd194/entrenamiento-funcional-y-core.htm
Ide, B. N., Silvatti, A. P., Marocolo, M., Santos, C. P. C., Silva, B. V. C., Oranchuk, D. J., & Mota, G. R. (2022). Is There Any Non-functional Training? A Conceptual Review. Frontiers in Sports and Active Living, 3(January), 1–8. https://doi.org/10.3389/fspor.2021.803366
Leslie, S. (2018). What is functional/neuromotor fitness? ACSM’s Health and Fitness Journal, 22(6), 35–43.
Pedragosa, V., & Cardadeiro, E. (2020). Barómetro do Fitness 2019. Portugal Ativo /Agap.
Roy, B. A. (2014). FUNctional Exercise Training. ACSM’s Health & Fitness Journal, 18(3), 3.
Santana, J. C. (2015). Functional Training – Exercises and Programming for Training & Performance. Human Kinetics.
Staley, C. (2005). Muscle Logic. Holtzbrinck Publishers.
Thompson, W. R. (2022). Worldwide Survey of Fitness Trends for 2022. ACSM’s Health and Fitness Journal, 26(1), 11–20. https://doi.org/10.1249/FIT.0000000000000732

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